Gregório nasceu no ano 540 em Roma. Sua família, de sobrenome Anícia, tradicional na alta corte romana, era rica, poderosa e influente; seu pai, que havia sido senador e prefeito da cidade, participava ativamente do seu governo. Além disso, ele viveu e foi educado num ambiente cristão: as três mulheres mais responsáveis pela sua formação espiritual e cultural, a mãe Silvia e as tias paternas Emiliana e Tarsila, são santas canonizadas. A mansão familiar erguia-se num dos lados do monte Célio, lugar privilegiado no centro da Roma antiga, de onde se avistavam, já naquela época, ruínas da antiga grandeza romana, causadas por catástrofes naturais e pelas invasões bárbaras.
De fato, durante mais de 150 anos, a península italiana foi invadida por hordas estrangeiras, que sucessivamente saquearam e dizimaram Roma: em 410, os visigodos; em 455, os vândalos; em 472, os suevos e burgúndios; em 476, os germanos; em 489, os ostrogodos; a partir de 526, godos e bizantinos ali se bateram por mais de duas décadas; por fim, os bizantinos a serviço de Constantinopla, sob o imperador Justiniano, derrotaram os ostrogodos, que haviam invadido Roma em 546, período da infância de Gregório. Seguiu-se um tempo de relativa paz que permitiu a Gregório, seguindo a tradição familiar, cursar a carreira jurídica.
De inteligência e capacidade organizativa superiores, Gregório destacou-se nos meios cultos da época, e aos 30 anos foi nomeado prefeito de Roma, exercendo o cargo com austeridade e honestidade, seguindo seus princípios católicos. Mas já nesta época, nova invasão ocorreu na Itália: em 568, os lombardos, que haviam adotado a heresia ariana (a qual considerava Jesus inferior ao Pai), e cujo método de ação era a violência extrema, com a eliminação metódica das elites latinas, conquistaram o norte do país. Inúmeros sobreviventes foram para Roma; entre eles, monges beneditinos de Montecassino, o primeiro mosteiro fundado por São Bento. Gregório doou a eles um palácio da família no monte Célio, onde fundaram o mosteiro de Santo André. A frequente convivência com eles levou Gregório a se tornar religioso.
Durante a sua atividade civil, Gregório já sentia o chamado da vocação monacal, e tendo concluído seu mandato em 575, ingressou no mosteiro de Santo André. Foi o melhor período da sua vida, como admitiu depois, quando pôde dedicar-se ao silêncio, à oração, à meditação da Palavra de Deus e às leituras sagradas. Depois de quatro anos, foi ordenado pelo Papa Bento I diácono regional, ou seja, encarregado da administração de uma das regiões eclesiásticas que nessa época dividiam a cidade de Roma. E como suas qualidades não podiam ficar escondidas, não muito tempo depois o novo Papa, Pelágio II, o enviou como apocrisiário (núncio) à capital do Império do Oriente, Constantinopla.
Passou ali seis anos lidando com as dificuldades da corte e no firme combate às influências das heresias monofisita (Cristo só teria a natureza divina, mas não a humana) e nestoriana (Cristo não seria uma única pessoa, com natureza divina e humana, mas duas pessoas, o Jesus humano o Logos divino), e conseguindo manter um estilo de vida monástico, além de escrever, neste período, a maior parte da sua obra literária. Voltou a Roma por volta de 585, sendo eleito abade em Santo André, e neste cargo ficou conhecido pela sua caridade, dedicação, firmeza e austeridade.
Em 589 chuvas de intensidade absurda provocaram uma calamidade em Roma, com destruição e fome, seguidas por uma epidemia devastadora de peste bubônica, da qual morreu o Papa Pelágio II. O clero, o senado e o povo, unanimemente, aclamaram Gregório como o novo Papa; ele, sentindo-se indigno do cargo, fugiu para as montanhas e florestas vizinhas, até ser achado e então, humildemente reconhecendo a vontade de Deus, ser sagrado em 590. Não quis receber outro título senão o de servus servorum Dei — servo dos servos de Deus.
Gregório I assumiu o pontificado numa época de caos civil e abalos heréticos na Igreja. Ele reconheceu a sua época como uma de transição, do fim do ius civitatis romano (conjunto de direitos e deveres de um indivíduo em relação à comunidade em que vive) a ser substituído pelo donum caritatis cristão (presente da caridade), se é que a civilização ocidental deveria continuar. Procurou assim elevar os espíritos às realidades sobrenaturais, para que vivessem os acontecimentos temporais sob uma perspectiva eterna; e desse modo fez o transporte definitivo da Europa pagã do mundo antigo para a nova civilização cristã sob o Evangelho, regada pelo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador.
A desolação provocada pelos lombardos continuava, e por duas vezes Roma foi por eles sitiada. Nas duas ocasiões, a intervenção de Gregório obteve o levantamento pacífico do cerco. Foram assinadas tréguas, e o Papa empenhou-se na conversão dos invasores da Itália. Conseguiu, com a ajuda da princesa Teodolinda, esposa do chefe lombardo e filha do rei católico da Baviera, o batismo do filho do casal – primeiro passo na futura conversão de todo este povo.
Protegeu os judeus, na Itália, contra a perseguição dos hereges. Na Espanha, Gregório apoiou São Leandro na conversão do rei Recaredo, visigodo e ariano, e por conseguinte desta nação; na Gália, isto é, França, manteve boas relações com os monarcas francos, conseguindo a renovação do clero em decadência, a convocação de sínodos e a extinção de persistentes e cruéis práticas pagãs; e sobretudo obteve a conversão da Grã-Bretanha (Inglaterra), ex-província do império romano, no seu tempo paganizada pelos invasores anglo-saxões: conseguiu o casamento de uma princesa católica francesa com um dos seus reis e enviou inúmeros missionários, destacando-se Santo Agostinho de Cantuária, responsável direto pela conversão de milhares de insulares . Seu desejo caridoso de chamar os infiéis a Cristo, e não de meramente combatê-los, fez florescer no Ocidente a Igreja e “o bom perfume” de Cristo (cf. 2Cor 2,14-15). Fez com que o cristianismo fosse respeitado por sua piedade, prudência e magnanimidade, sendo assim muito amado pelo povo simples e acreditado pelos pagãos.
Não menos importante foi a sua ação dentro da própria Igreja. Levando uma vida monacal, dispensou do palácio pontifício os servidores leigos, o que diminuiu os abusos cortesãos e levianos. Exigiu o trabalho, a disciplina, a moralidade (incluindo a observância do celibato pelo clero) e o respeito às tradições da Doutrina. Reformou a Liturgia, introduzindo a oração do Pai Nosso na Santa Missa, e criando o Canto Gregoriano, próprio para com a dignidade necessária elevar a música como adequado auxílio às orações litúrgicas. Escreveu a Regra Pastoral, como orientação, ainda atual, para a santidade do clero, e várias outras obras: Livro dos Diálogos, para a edificação dos fiéis; Vida de São Bento, Sacrementaria Gregoriana, Comentário Sobre Jó, Comentário Sobre I Reis, Homilias sobre Ezequiel, Sermões, Cartas.
A constituição física de Gregório sempre fôra um tanto frágil, e sofreu muito com várias doenças, o que não lhe impediu de permanecer firme nas suas atividades até o falecimento, em 604. A data da sua festa é a da sua consagração Papal. Ficou conhecido como “Magno”, isto é, aquele que é superior a tudo o que lhe é congênere, o que tem importância máxima. Foi declarado Doutor da Igreja.